O
planejamento urbano tem produzido pensamentos e abordagens diferentes quanto a
sua execução, seja por parte de pensadores esquerdistas, seja por parte dos pensadores
conservadores.
Na
perspectiva do pensamento marxista, se destacam alguns importantes pensadores,
entre eles, Castellis e Harvey, considerados sociólogos e geógrafos urbanos, além
do renomado Lefebvre, que segundo o texto, sofreu algumas objeções por parte de
Harvey e, especialmente, por parte de Castellis. Todos esses fizeram reverberar
a ideologia marxista aplicada ao tema do desenvolvimento das cidades.
Castellis
e Harvey, embora divirjam de Lefebvre em muitos pontos, dedicarão maior energia
em construir críticas ferrenhas ao pensamento conservador aplicado aos estudos
urbanos, especialmente, a Escola de Chicago, em meados das décadas de 20 e 30. Nesse
cenário, vão se contrapor tanto ao idealismo da Sociologia culturalista quanto
ao Darwinismo social dos sociólogos urbanos da Escola de Chicago.
Para os
pensadores marxistas, o problema está posto na redução dos conflitos sociais a
uma mera competição entre indivíduos, numa interface com as ideias
biológico-evolucionistas de “luta pela vida” e “sobrevivência do mais forte”,
subestimando assim, a existência dos condicionamentos impostos pelas
contradições de classe e recusando a interpretação dos conflitos também
enquanto luta de classes.
Para
Castellis e Harvey, era preciso promover uma espécie de “desnaturalização” da
análise da produção do espaço urbano, no sentido de historicizar os problemas
sociais manifestados na cidade, encarando o espaço urbano como um produto
social e os problemas urbanos como consequência direta das relações de produção
e de poder no mundo capitalista. Buscavam com isso, rechaçar a ideia de redução
dos indivíduos a meros consumidores, ou seja, aquela ingênua percepção de que a
sociedade nada mais é do que um agregado de indivíduos consumidores. Assim,
Castellis e Harvey proporão a “desideologização” do estudo da cidade, no
sentido de desnudar os limites e armadilhas da ideologia capitalista, numa
propositura que vai de encontro a politização dos estudos urbanos.
Sabe-se
que os marxistas divergiam em vários temas, mas suas ideias se tornaram
unificadas na denúncia do planejamento como um instrumento a serviço da
manutenção do status quo capitalista.
Assim, o planejamento teria por missão criar as condições para uma
sobrevivência do sistema a longo prazo – mesmo que, para isso, fosse
necessário, algumas vezes, ir contra interesses imediatos de alguns
capitalistas ou mesmo frações inteiras da classe capitalista.
Com o
enfraquecimento do pensamento marxista frente ao triunfalismo conservador, após
a queda do Muro de Berlim (1989), muitas dessas ideias perderam força. A crise
do marxismo enfraqueceu o seu discurso, embora não permitisse concluir que
houvesse falhado ou fosse desprovido de capacidade explicativa, independente do
autor ou do assunto sobre o qual se estivesse falando. Isso se verifica ao
perceber que as críticas marxistas ao planejamento encerram uma falácia, pois
revelam uma inconsistência lógica. Essa falácia é denominada de acidente e
apoia-se na generalização da crítica ao planejamento.
Essa
prática questionadora e profundamente crítica, não foi exclusividade apenas do
pensamento marxista, já que também os conservadores, construíram abordagens
críticas sobre o planejamento, a partir da frustação com os resultados da
intervenção estatal em geral. Percebeu-se a incapacidade de cumprir a promessa
implícita sugerida pelo espírito Keynesiano, ao qual se buscava evitar as
crises, na tentativa de salvar o capitalismo de si próprio ou mesmo fazê-lo
prospero. Com o esgotamento das estratégias Keynesianas, o neoliberalismo surge
e ganha força, eclodindo no mundo globalizado. Com isso, migra-se de um
planejamento regulatório a um planejamento apoiado nas ideias de gestão. O
planejamento assume uma subordinação ao mercado, acompanhando as suas
respectivas e surpreendentes tendências. Além deste, o planejamento de
facilitação, apreende uma nova abordagem, no qual buscava-se estimular a
iniciativa privada, numa estreita relação entre vantagens e regalias, a
exemplo, das isenções tributárias e subsídios diversos. E ainda, é possível
verificar um terceiro espectro de planejamento, que está alinhado a ideia de
administração privada, no qual enfatiza a parceria público/privada.
A grande
questão que está posta perante tudo isso é de como realizar com segurança o
percurso que vai da crítica do
planejamento urbano a um planejamento
urbano crítico?
Essa
parece ser a questão centralizadora, que expõe as inquietações sejam dos
marxistas, sejam dos conservadores. Com aplicabilidades e abordagens
diferenciadas, o que se extrai dessas realidades contraditórias, é uma inegável
necessidade de transição, que se fundamenta em novas perspectivas e
proposituras, dentre as quais, identifica-se um pensamento orientado para o futuro,
que possibilite fazer escolhas entre alternativas e considerar limites,
restrições e potencialidades, assim como, consideração de prejuízos e
benefícios. Além de tudo, busca-se uma maior lucidez quanto a verificação de
possibilidades que forneçam diferentes cursos de ação, os quais dependem de
condições e circunstâncias variáveis.
Nesse
sentido, é importante perceber que as diferentes correntes ideológicas sempre
estiveram envolvidas com o planejamento, embora fossem contrários em suas
tessituras e abordagens. Isso se verifica claramente nos sistemas de
planificação centralizada, os quais sempre buscaram firmar suas raízes em três
distintas correntes de oposição ao status
quo capitalista, a saber, o socialismo utópico, o anarquismo e o
materialismo histórico.
Também
se insere uma crítica a racionalidade instrumental e a Escola de Frankfurt, com
as ideologias de massas e a massificação dos meios de comunicação, entre seus
mais otimistas e pessimistas pensadores. Nesse sentido, Habermas vai apresentar
que a racionalidade instrumental orienta uma ação estratégica, cujo linguagem
não é usada para fins de entendimento, mas sim para fins de dominação e
cooptação. A racionalidade não deixa de apresentar o seu caráter aprisionador,
através da análise acrítica da adequação entre meios e fins. Entra-se em
confronto uma racionalidade instrumental X uma racionalidade comunicativa
aplicada ao planejamento.
Diante
do exposto, chega-se então a grande questão sobre o que de fato é um
planejamento crítico? Em linhas gerais, pode-se entendê-lo, como uma abordagem
que ultrapassa o senso comum, a ponto de questionar realidades que estão
postas, assim, como construções pré-estabelecidas, no sentido de buscar maior
sentido e experimentação. No planejamento crítico, busca-se superar as ideias
do tecnocratismo, a fim de alcançar outros referenciais de instrumentos que
possibilitem novas perspectivas de planejamento e gestão urbana.
Para
concluir, verifica-se a necessidade de se construir uma relação entre a evolução dos diversos
pensadores e suas ideologias no avanço de uma abordagem crítica do planejamento
a um planejamento urbano verdadeiramente crítico, que aprofunde e problematize
as questões urbanas, a partir dos diferentes ciclos econômicos e suas infinitas
conjecturas. Essas percepções, ajudam e corroboram com novas abordagens dos cenários
urbanos e maior percepção dos problemas e condicionantes encontrados dentro do
espaço urbano. Em qualquer cenário global, o que se verifica, é um caldeamento
de situações que atuam e exercem força sobre o cenário urbano.