BREVE REFLEXÃO SOBRE OS IMPACTOS ANTRÓPICOS E
NATURAIS NA PAISAGEM DA PONTA DO CABO BRANCO - JOAO PESSOA / PB.
BREVE REFLEXÃO SOBRE OS IMPACTOS ANTRÓPICOS E
NATURAIS NA PAISAGEM DA PONTA DO CABO BRANCO - JOAO PESSOA / PB.
Roberto
de Medeiros Chaves Junior
Universidade
Federal da Paraíba - UFPB
Resumo
A falésia da Ponta do Cabo Branco é uma
paisagem muito significativa para a população da cidade de João Pessoa, por
apresentar elementos naturais que são caracterizados por sua beleza, colorido e
forma. Para quem aqui vive, há um vínculo de afeto e pertencimento por esse
lugar da cidade, já que do alto da falésia é possível contemplar a paisagem da
enseada do Cabo Branco, marcada pelos elementos antrópicos e também naturais. Em
contraste com esses elementos naturais, alguns elementos se destacam, a exemplo
da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes e do Farol do Cabo Branco,
empreendimentos encravados na falésia. Essas estruturas foram construídas em diferentes
tempos e representam a robustez da engenharia humana e intensidade das ações
antrópicas. Para além desses marcos turísticos, o avanço sistemático das
ocupações intensifica a circulação de pessoas e dos meios de transportes na
região, agregando valor imobiliário a área estudada. Aqui se chega a um
entroncamento complexo de duas forças distintas, mas potencialmente
transformadoras: as ações antrópicas e naturais. Sob essas perspectivas muitos
estudos e discussões têm buscado ofertar luzes, na tentativa de garantir a conservação
da paisagem em questão. Contudo, é nesse aspecto, que se verifica uma
discrepância quanto ao real entendimento do que é conservar uma paisagem. Assim,
o presente artigo, ao abordar a temática, a partir da ciência geográfica, quer
possibilitar uma reflexão acerca dos interesses econômicos, pondo em evidência
a necessidade da conservação ambiental.
Palavras-chave: Paisagem. Natural.
Antrópica. Conservação. Discrepância.
ANTHROPIC AND NATURAL IMPACTS IN THE LANDSCAPE OF THE
WHITE CAPE - JOÃO PESSOA-PB
Abstract
The cliff of Ponta do Cabo Branco is a very
significant landscape for the population of the city of João Pessoa, by
presenting natural elements that are characterized by their beauty, color and
shape. For those who live here, there is a bond of affection and belonging to
this place of the city, since from the top of the cliff it is possible to
contemplate the landscape of the cove of Cabo Branco, marked by the anthropic
and also natural elements. In contrast to these natural elements, some elements
stand out, such as the Cabo Branco Station - Science, Culture and Arts and the
Cabo Branco Lighthouse, projects embedded in the cliff. These structures were
built in different and represent the robustness of human engineering and
intensity of human actions. In addition to these tourist landmarks, the
systematic advancement of occupations intensifies the movement of people and
means of transportation in the region, adding real estate value to the area
studied. Here we come to a complex junction of two distinct but potentially
transformative forces: the anthropic and natural actions. Under these
perspectives many studies and discussions have sought to offer lights in an
attempt to ensure the conservation of the landscape in question. However, it is
in this respect that there is a discrepancy as to the real understanding of
what is to conserve a landscape. Thus, the present article, when addressing the
theme, based on geographic science, wants to enable a reflection on economic
interests, highlighting the need for environmental conservation.
Keywords: Landscape. Natural.
Anthropic Conservation. Discrepancy.
INTRODUÇÃO
Com aproximadamente
24 Km de litoral, a cidade de João Pessoa apresenta um cenário de paisagens
intensamente atrativas, em que os elementos naturais interagem com os intensos
processos de antropormofização do espaço. Esse fato torna evidente que a
excessiva e mal planejada ação humana, quanto ao uso e ocupação do solo, invade
a dimensão espacial da realidade natural, da qual o indivíduo humano não pode
eximir-se de arcar com as possíveis consequências de seus atos predatórios e
intensamente transformadores.
O presente artigo,
a partir do recorte da área em discussão, que é a Ponta do Cabo Branco e seus
sucessivos desgastes, vem dialogar sobre o que de fato é preservar uma
paisagem, já que, para a geografia a paisagem não se trata de uma realidade
estática, mas dinâmica, que compreende uma constante e transformadora ação
natural, apresentada nessa tessitura do espaço, em que seus odores, cores e movimentos
se tornam evidentes. Assim, os agentes naturais dão curso a ações
transformadoras que remodelam a paisagem em suas mais profundas complexidades.
É bem verdade, que
o ser humano é também agente transformador da paisagem. Contudo, a ação humana
não deve perder-se na instrumentalização da paisagem, como se fosse possível
frear sua dinamicidade a partir de formas de controle e uniformização. A paisagem
intensamente humanizada exalta em sua íntegra, a violência da intervenção
humana, dos interesses econômicos e políticos, que transformam a paisagem em
mercadoria, que busca atender aos interesses do consumo.
Diante da
problemática exposta, o trabalho buscou coletar dados a partir de fontes
documentais e subsídios teóricos, que serão expostos no sentido de fundamentar a
abordagem geográfica da questão citada, na tentativa de viabilizar outro olhar
acerca da Ponta do Cabo Branco, a fim de que se possa ressignificar o sentido
de conservação ambiental aplicado a este ambiente natural.
Assim, ao problematizar
a possibilidade de recuperação do ambiente natural da Ponta do Cabo Branco em
seus diferentes ecossistemas, o presente artigo provoca uma reflexão sobre a
defesa e necessidade de conservação da linha de praia e de toda a dinâmica
natural das marés e dos respectivos processos abrasivos instalados naquela
estrutura geomorfológica. Expondo que conservar a barreira, não se trata de
construir obras de contenção, mas sim, de garantir o livre curso da natureza,
possibilitando às gerações futuras a oportunidade de contemplar a beleza da
ação natural em seus mais variados níveis.
Localização
A Ponta do Cabo
Branco, paisagem estudada, encontra-se localizada ao leste da cidade de João
Pessoa, inserida na Mesorregião da Zona da Mata Paraibana. Por se tratar de uma
porção litorânea, faz divisa com as praias de Tambaú e Seixas, estando mais
precisamente na porção sul da Praia do Cabo Branco, sendo margeada pelos
bairros do Cabo Branco, Altiplano Cabo Branco, Ponta do Seixas e Portal do Sol.
METODOLOGIA
Para composição do
artigo, além dos trabalhos de gabinete, foram utilizados como metodologia de
estudo de área, o levantamento de dados conceituais e bibliográficos, o que
subsidiou a problematização do tema. Assim, os citados dados secundários foram
contrapostos à leitura de periódicos, dissertações, monografias, reportagens,
mapas e tantas outras fontes, que contribuíram amplamente para a compreensão da
temática proposta.
Estudos de ordem
empírica elaborado pelos órgãos públicos, especialmente, a Prefeitura Municipal
de João Pessoa e suas respectivas secretarias, a exemplo da Secretaria de
Planejamento e do Meio Ambiente, foram consultados para o desenvolvimento do
estudo.
Além disso, o Plano
Diretor da Cidade de João Pessoa, atualizado a partir da lei complementar nº 054, de 23 de dezembro de 2008, bem como, dados contidos em mapas, tabelas e gráficos, foram utilizados
na busca por compreender mais claramente a dinâmica do uso e ocupação do solo na
área estudada e suas adjacências, a fim de que, somados ao conjunto de
subsídios já mencionados, possibilitassem novas leituras e perspectivas de
abordagem sobre a problemática em questão.
A DINÂMICA DO USO E DA
OCUPAÇÃO DO SOLO NO ENTORNO DA PONTA DO CABO BRANCO
Segundo VIADANA (2005, p. 14),
[...] a paisagem é
uma entidade dinâmica e diferenciada da superfície terrestre. [...] é uma
categoria espacial de aspecto visível e imediatamente perceptível, podendo ser
conceituada, descrita e explicada através de sua morfologia decorrente da
composição do meio natural e das ações antrópicas.
Ao aplicar o fragmento de texto à realidade
encontrada na Ponta do Cabo Branco, atesta-se à adequação da citação, já que na
entidade mencionada, observa-se não só sua dinamicidade, mas também o seu
aspecto diferenciado. O autor em sua citação demonstra que nenhuma paisagem da
superfície terrestre é passível de repetição. Nesse sentido, a irrepetibilidade
dessa categoria espacial, traduz e ao mesmo tempo demonstra uma visibilidade
comunicativa que é imediatamente percebida pelos interlocutores presentes
naquele ambiente. Daí poder ser conceituada, descrita e explicada, a partir de
uma morfologia que, em certo sentido, é única e decorrente dessa composição
entre o meio natural e as ações antrópicas. Formam-se na paisagem, uma
identidade visual, transmitindo ao seu interlocutor, informações sobre a vida
naquele ambiente e suas multiformes relações.
Não é de hoje que as paisagens litorâneas em
diferentes sociedades e escalas de tempo produzem um atrativo que se expressa
no uso e na ocupação do solo. Assim, os ambientes litorâneos de certo modo se
tornaram mais susceptíveis às profundas alterações em suas paisagens, em diferentes
contextos e realidades, que sendo comunicativos entre si, possuem especificidades
que foram produzidas pelas inúmeras variantes existentes em cada lugar. Dentro
dessas variantes, os interesses econômicos, políticos e mercadológicos, resultam
em espaços segregados ou profundamente transformados pela ação humana. Nessa
perspectiva, a paisagem acaba sendo emoldurada pelas diversas intervenções
humanas, que alteram sua característica e beleza.
Assim, a paisagem do lugar torna-se um
elemento do consumo, que atrelada a uma estratégia mercadológica, agrega valor
a porção espacial. Com isso, a paisagem se torna comercializável, como um
produto que se molda às necessidades do mercado, para atender a uma demanda
econômica, na qual em muitos casos, se desconsidera completamente a necessidade
de conservação dos elementos naturais que ali estão dispostos.
Mesmo quando estes elementos naturais se
encontram aparentemente preservados, verifica-se, não poucas vezes, que por
traz de tal ação, há um interesse econômico e uma intencionalidade quanto ao
uso dessa paisagem. Isso acontece pelo fato da paisagem agregar valor àquela
espacialidade. Com isso, a ação antrópica se reveste de um ideal sustentável,
mas que na realidade se configura como uma prática insustentável, por ser incapaz
de garantir aos elementos naturais dessa paisagem a mínima condição de se
perpetuar naturalmente. Dessa forma, criam-se pequenos nichos de ecossistemas
não comunicativos, tornando praticamente impossível, a perpetuação daqueles
elementos naturais.
Essa fragilização das paisagens litorâneas de
modo muito evidente é percebida também na Ponta do Cabo Branco. Nela, os elementos
naturais da paisagem estão antropomorfizados e revestidos de uma aparente
configuração sustentável. O discurso mais veiculado, nesse caso, defende que
preservar a Ponta do Cabo Branco é implantar mecanismos de contenção na linha
de praia, que minimizem os impactos produzidos pela abrasão marinha. Há um
apelo e até uma sensibilização para a população da necessidade preeminente de
tal obra. Contudo, não se trata apenas das obras de contenção da barreira, mas
um conjunto muito maior de intervenções que ofertam um maior aparelhamento ao
lugar. Essas ações visam em linhas gerais o bem-estar da população, como está
descrito:
Para cumprir a função
social, a propriedade urbana deve satisfazer simultaneamente as seguintes
condições:
I – uso para
atividades urbanas, em razão compatível com a capacidade da infraestrutura
instalada e do suprimento dos serviços públicos;
II – aproveitamento e
utilização integrados à conservação da qualidade do meio ambiente e do
patrimônio cultural, compatíveis com a segurança e a saúde de seus usuários e
das propriedades vizinhas. (PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, 2009,
ART. 5º)
O aparelhamento das áreas urbanas é
indispensável, já que a população necessita de infraestrutura que lhe garanta
qualidade de vida. Porém, a questão que se impõe vai à outra direção, que é a
de problematizar os mecanismos e estratégias escolhidas para se alcançar esse
meio. Na verdade, o aparelhamento urbano não deve ser compreendido como um fim
em si mesmo, mas como um meio capaz de produzir valorização e integração
social. Como se verifica, ao afirmar que “a propriedade urbana cumpre sua
função social quando o exercício dos direitos a ela inerente se submete aos
interesses coletivos”. (PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, 2009, ART.
6º)
Dentro desses direitos está a conservação do
patrimônio histórico-cultural e imaterial, bem como o acesso ao lazer, aos
meios de transporte, ao saneamento básico, a água potável, a moradia, a saúde,
a educação, ao trabalho e também ao meio ambiente conservado como elemento
compositor do bem-estar social e coletivo. Com isso, a constituição de um
cenário paisagístico produzido, fere a complexidade dos elementos naturais
dispostos nesse cenário urbano, por reduzi-lo a uma intencionalidade mercadológica,
em que estes elementos naturais presentes na paisagem acabam sendo instrumentalizados
sem que seja garantida a sua real seguridade e conservação. Assim, determinadas
obras de aparelhamento, acabam por prestar um desserviço à coletividade, quando
não ressalta e não privilegia a conservação do ambiente em toda a sua
complexidade. Cada ambiente natural possui em sua gênese, uma teia de
conectividade entre variados ecossistemas, que embora pensados como estruturas
invioláveis, são frágeis e passíveis de prejuízos permanentes. Isso expõe que
os benefícios da coletividade do tempo presente não podem restringir as
gerações futuras o mesmo direito de acesso ao patrimônio paisagístico e natural
encontrado na Ponta do Cabo Branco.
Essa leitura não negligencia a necessidade de
se ofertar a população, áreas de convívio e lazer, mas questiona a
intencionalidade do que está por trás do uso da Ponta do Cabo Branco como meio
de sensibilização para implantação de uma obra de contenção. Entendendo que
esta obra, em função de sua complexidade, ainda necessita de um maior arcabouço
de dados e informações que possam subsidiar mais amplamente estudos, pesquisas
e discussões acerca da realidade local, a fim de que, se compreenda com total
clareza as consequências, sejam elas ambientais e/ou paisagísticas de qualquer
intervenção, de contenção da barreira da Ponta do Cabo Branco.
Além do mais, se faz necessário clarificar
que, “conservar” essa estrutura geomorfológica por meio de obras de contenção,
configura-se na verdade, um ato de impacto ambiental e, portanto, um equívoco. Por
esse fim, não se pode confundir a necessidade de conservação dos elementos
naturais com os interesses de conservação do patrimônio arquitetônico que ali
está disposto. São ações diferentes e com objetivos diferentes.
Os projetos de intervenção que usam a
contenção da falésia como justificativa, demonstram, na verdade, falta de
clareza quanto ao objeto de ação, levando à população, ideias equivocadas de
conservação. Faz-se necessário, então, esclarecer o que de fato se quer
conservar: se o patrimônio natural ou arquitetônico.
É preciso, então, abrir-se ao entendimento de
que a paisagem da Ponta do Cabo Branco deve ser preservada tal como ela se
apresenta naturalmente, ou seja, falésia viva. Essa sua característica deve ser
conservada ao ponto de produzir naquele que a visita, consciência ambiental. A
conservação dos elementos naturais abre uma gama de possibilidades que podem
atender tanto a fins científicos, quanto escolares e até recreativos, dependendo
do tipo de atividade. Há muito mais a se
ganhar conservando a falésia do Cabo Branco em sua disposição natural, do que
alterá-la de modo degradante e beligerante.
Essa ação deve estender-se também aos demais
equipamentos que compõem este cenário, entre eles, o Farol do Cabo Branco e a Estação
Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes. Essas obras, embora reconhecidas em seu
valor cultural, deveriam servir de reflexão, para que fosse garantida a
construção de uma consciência ambiental, capaz de desenvolver relações mais
sustentáveis com o meio natural. O antropomorfismo não pode se sobrepor a
necessidade de conservação dos elementos naturais, vilipendiando-os e
delapidando suas características mais básicas.
As marcas deixadas na barreira do Cabo Branco
ressaltam a longevidade dos processos naturais, ao ponto que também denunciam a
brevidade da vida humana, que a cada tempo utiliza-se do elemento natural para
o seu bel prazer, na tentativa de demonstrar parecer ser capaz de dominar e de
transformar tudo a sua volta. Talvez seja esta, a oportunidade de se abrir caminhos
de ressignificação para a educação ambiental.
Na obra de DOLFUS (1982, p. 29),
A ação humana tende a
transformar o meio natural em meio geográfico, isto é, em meio moldado pela
intervenção do homem no decurso da história. [...] Contudo, a ação humana tem
se manifestado de maneira cada vez mais intensa, graças aos efeitos conjugados
do crescimento demográfico em todo o mundo e do progresso das técnicas. De modo
que, esta tênue película que é a história humana com relação à espessura da
história do mundo ocupa não obstante um lugar de importância capital para a
compreensão e para a explicação do espaço geográfico.
Nesse fragmento de texto, Dolfus reconhece a
beleza da tênue película que é a história humana e da evolução de suas
técnicas, mas sem desmerecer a espessura da história do mundo, que transcende
gerações inteiras. Assim, essas marcas humanas no espaço geográfico devem ser
compreendidas e utilizadas como iluminação no tempo presente, de modo que se
evite cometer os erros de outrora, e assim, se garanta às gerações futuras,
ambientes naturalmente mais saudáveis.
Compreende-se, então, claramente, que as
ações antrópicas sustentam um necessário modelamento do meio natural, que tende
a dar lugar ao meio geográfico, no qual se constitui o espaço geográfico. Este
espaço sustenta as relações sociais expressas na estruturação do lugar e nas
alterações das paisagens naturais. O que permite entender, que a humanização da
paisagem é quase que inevitavelmente, uma condição de ser, do humano no mundo.
Assim, a problemática que está posta quanto às alterações da paisagem, não nega
a real necessidade de intervenção do ser humano no espaço habitado. Contudo,
questiona o caráter predatório que se expressa em relações danosas à própria
natureza da paisagem, assim como, ao próprio ser humano, que é muitas vezes
vítima do seu próprio antropomorfismo.
Esse fato se verifica, quando as ações
antrópicas produzem profundos impactos ambientais, capazes de afetar a vida de
sociedades inteiras e os respectivos ecossistemas envolvidos. A degradação dos
elementos naturais se expressa no espaço geográfico, marcado tão profundamente
por paisagens segregadas e mortificadas pela ação equivocada do ser humano. Põe-se
em cheque a cidadania, a ética, a sustentabilidade da vida, em nome do lucro
sobreposto a toda uma coletividade, que é muito mais massa de manobra, do que
agentes de um protagonismo transformador.
Essa compreensão é reforçada por GUERRA
(1996, p. 342), ao expressar que:
À medida que a
degradação ambiental se acelera e se amplia espacialmente, numa determinada
área que esteja sendo ocupada e explorada pelo homem, a sua produtividade tende
a diminuir, a menos que o homem invista no sentido de recuperar essas áreas.
Assim, se impõe ao ser humano, a necessidade
de construir uma nova consciência ambiental, para que se possa garantir a
perenidade de sua relação com o meio, através da recuperação e conservação dos
ambientes naturais. Compreendendo que o espaço geográfico sustenta um conjunto
de sistema de objetos e ações que são marcados por uma intencionalidade.
Segundo SANTOS (2009, p. 332):
O espaço geográfico é
um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, sua
definição varia com as épocas, isto é, com a natureza dos objetos e a natureza
das ações presentes em cada momento histórico.
O que se verifica a partir da reflexão de
Santos, é que cada época corresponde a uma expectativa, que delineia a natureza
dos objetos e a natureza das ações. Isso constrói intencionalidades que se
materializam, através do tempo, na transformação do espaço geográfico. Sendo a
técnica o meio pelo qual o ser humano executa essa ação transformadora. Assim,
se faz necessário destacar que a técnica deve ser um meio de construção e
de resgate da vida, em suas mais variadas esferas, não significando em absoluto,
um mal em si mesmo.
Por isso, SANTOS (2009, p. 332) apresenta a
técnica como um elemento social, que ao se articular com os sistemas de objetos
e sistemas de ações em conjunto, constituem sistemas técnicos sucessivos, que
garantem a história do espaço geográfico.
Ainda seguindo sua análise, SANTOS (2009, p.
332) nos afirma que:
Os objetos que
constituem o espaço geográfico atual são intencionalmente concebidos para o
exercício de certas finalidades, intencionalmente fabricados e intencionalmente
localizados. A ordem espacial assim resultante é, também, intencional. Frutos
da ciência e da tecnologia, esses objetos técnicos buscam a exatidão funcional,
aspirando desse modo, a uma perfeição maior que a da própria natureza. Assim,
eles são mais eficazes que os objetos naturais e constituem as bases materiais
para as ações mais representativas do período.
O que se figura a partir do pensamento de
Santos, é que a repetição de abordagens acerca do espaço geográfico produz na
história um aperfeiçoamento. Sendo assim, a técnica não está contrária à conservação
do ambiente natural, mas está, sobretudo, ao seu favor. Para isso, se faz
necessário construir intencionalidades sustentáveis, para que as finalidades
também tenham esse mesmo caráter e, sejam assim, mais representativas no
período.
Ao aplicar essa compreensão à realidade da
cidade de João Pessoa, percebe-se que há uma instrumentalização da paisagem em
discussão, na qual se evidencia uma ruptura com a perspectiva sustentável. Esse
processo se verifica quando os interesses mercadológicos se sobrepõem a
conservação natural. O movimento produzido a partir dessa ação é confuso e
ofuscante, quanto à necessidade da conservação ambiental.
Assim, os elementos naturais se veem
diminuídos ante o crescente avanço do adensamento construtivo, que assume uma
tendência de verticalização já visualizada em vários bairros de João Pessoa.
Além disso, a intensa metropolização do espaço urbano, demonstra uma crescente
densidade demográfica, na qual o espaço é retaliado e usado como capital
especulativo. Terrenos baldios expressam muito bem essa realidade. Enquanto
isso a cidade se transforma em meio a intensa verticalização, em que
arquiteturas antigas dão lugar a um novo padrão construtivo. Em meio a essa
corrida especulativa, os elementos naturais da paisagem vão sendo
vilipendiados, restando às pequenas porções de áreas verdes, que em nada se
comunicam com as características naturais “originárias” e remanescentes. Com
isso, as áreas adjacentes à Ponta do Cabo Branco, identificadas pelos bairros do Cabo Branco, Altiplano Cabo Branco, Ponta
do Seixas e Portal do Sol, não se isentam dessa condição.
Foi em meados da
década de 70, que se intensificou a ocupação da paisagem litorânea na cidade de
João Pessoa. A cidade de João que nasceu às margens do rio Sanhauá e
concentrava no centro da cidade a população mais abastada, logo passaria a
considerar como áreas nobres o litoral. Assim, as áreas litorâneas que eram utilizadas
apenas como ambiente destinado ao veraneio foi se tornando, num curto espaço de
tempo, profundamente povoados e supervalorizados. Com a descoberta do litoral
enquanto tendência de status social, as áreas litorâneas foram aos poucos sendo
ocupadas e a elas um alto valor fora sendo agregado, configurando-se, hoje, no
metro quadrado mais caro da cidade.
No caso da Ponta do
Cabo Branco e adjacências, esse processo foi sendo gradualmente implantado, e
nos últimos anos, apresentou um acelerado crescimento. O uso e a ocupação do
solo se intensificaram de tal modo, que o adensamento construtivo seguido do
processo de verticalização é fato visível, o que impõe desafios para a conservação
deste ambiente.
O acelerado ritmo de
crescimento dos bairros adjacentes à Ponta do Cabo Branco, sobretudo, do
Altiplano Cabo Branco e Portal do sol, demonstra o fenômeno citado.
Esse fato sinaliza
para um ambiente de grande mobilidade urbana, demarcado por suas várias formas
de tráfego e que impactam ambientalmente a área. Do ponto de vista visual, o
cinturão verde que corta todo o bairro do Altiplano Cabo Branco, de certo modo,
já está sufocado pelas grandes edificações. Além do mais, também se observa a
segregação socioespacial, que vai se desenhando nesse ambiente, produzindo
especulações imobiliárias, geradoras de uma hipervalorização dessas áreas, em
detrimento de outras circunvizinhas caracterizadas ainda como conjunto
habitacional.
Além do Plano
Diretor, a Constituição do Estado da Paraíba expressa que:
A zona costeira, no território do Estado da Paraíba, é patrimônio
ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico, na faixa de
quinhentos metros de largura, a partir da preamar de sizígia para o interior do
continente, cabendo ao órgão estadual de proteção ao meio ambiente sua defesa e
conservação, na forma da lei. (CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA, 1989, ART.
229)
O que está disposto
citado artigo 229, pode ser aplicado a necessidade mais vigorosa de manutenção
da faixa de conservação litorânea, a fim de que se torne mais evidente a valorização
da perspectiva ambiental, tornando-a instrumento educativo, capaz de inspirar
consciência ambiental e relações mais cuidadosas com o meio ambiente. Essa
prática se faz necessária, para que o discurso, de fato, ecoe em ações que
sejam inspiradoras e possam ser seguidas.
Nos incisos
seguintes, ainda em referência a Constituição Estadual da Paraíba, expressa
que:
§ 1º o plano diretor dos Municípios da faixa costeira disciplinará as construções,
obedecidos, entre outros, os seguintes requisitos: a) nas áreas já urbanizadas
ou loteadas, obedecer-se-á a um escalonamento de gabaritos a partir de doze
metros e noventa centímetros, compreendendo pilotis e três andares, podendo
atingir trinta e cinco metros de altura, no limite da faixa mencionada neste
artigo; b) nas áreas a serem urbanizadas, a primeira quadra da praia deve
distar cento e cinquenta metros da maré de sizígia para o continente, observado
o disposto neste artigo; c) constitui crime de responsabilidade a concessão de
licença para a construção ou reforma de prédios na orla marítima, em desacordo
com o disposto neste artigo [...]. (CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA, 1989, ART.
229)
Nestes incisos do
artigo 229 da Constituição do Estado da Paraíba se torna evidente que há
legislação suficiente para regular o uso e a ocupação do solo, de modo a
garantir uma maior conservação dos elementos naturais da paisagem. O que se
verifica na lei, garante à população muitos benefícios, o que se espera, é que
haja uma maior vigilância quanto à execução do que está citado no artigo 229.
Dentre os
benefícios colhidos a partir de um maior cuidado com a linha de praia, destaca-se
a redução do adensamento construtivo e verticalizações, o que diminuirá o risco
de “ilhas de calor”, seguidos de uma melhor mobilidade urbana, além de se
reduzir a poluição sonora, visual e resíduos poluentes em toda a área.
Esses fatores
embora não apareçam, tem um impacto positivo no meio ambiente, a julgar pela
interdependência dos ecossistemas. Um exemplo é o processo de impermeabilização
que afeta diretamente a absorção da água pelo solo, interferindo na drenagem e
no volume de água lançados diretamente no mar. É evidente que esse fato reflete
nas correntes e dinâmica marinha, assim como, a alteração do sentido dos ventos
que sopram no litoral, ao serem afetados pelas grandes construções, também
reproduzem alterações nas dinâmicas naturais.
Com isso fica claro
que embora haja legislação que oriente a relação espacial nessa porção do
litoral, a vigilância do cumprimento da legislação precisa se intensificado, assim
como, o incentivo à pesquisa e à capacitação de profissionais que possam
monitorar permanentemente os desdobramentos dos impactos produzidos e as
possibilidades de reversão dos mesmos.
As construções referidas no parágrafo anterior deverão obedecer a
critérios que garantam os aspectos de aeração, iluminação e existência de
infraestrutura urbana, compatibilizando-os, em cada caso, com os referenciais
de adensamento demográfico, taxa de ocupação e índice de aproveitamento. (CONSTITUIÇÃO
DO ESTADO DA PARAÍBA, 1989, ART. 229, §2.)
De fato, todos
esses dispositivos da lei produziram benefícios, mas que se perdem em seu
sentido mais amplo, quando não reverberam em ações concretas e permanentes. A
Ponta do Cabo Branco não se exime da problemática apresentada, efetivando pontos
contraditórios em relação ao artigo 229, da Constituição do Estado da Paraíba,
promulgada em 05 de outubro de 1989.
O citado artigo
também é mencionado no Plano Diretor do Município de João Pessoa, aprovado pela
Lei Complementar nº 03 de 30 de dezembro de 1992, e alterado pela Lei
Complementar nº 054 de 23 de dezembro de 2008, no qual se verifica no artigo 25
a seguinte redação:
A restrição adicional da Orla Marítima visa cumprir os Arts. 229 da
Constituição Estadual e 175 da Lei Orgânica para o Município de João Pessoa,
quanto à altura máxima das edificações situadas em uma faixa de 500 metros ao longo
da orla e a partir da linha de testada da primeira quadra da orla em direção ao
interior do continente, cujo cálculo será efetuado da seguinte forma:
I – torna-se a distância que vai do ponto médio da testada principal do
lote ou da gleba, ao ponto mais próximo da testada da primeira quadra contígua
a orla marítima e mais próxima a ela;
II – a altura máxima da edificação, medida a partir da linha do meio-fio
da testada do imóvel até o ponto mais alto da cobertura, será igual a 12, 90
metros, mais a distância calculada no inciso anterior vezes 0,0442.
Parágrafo único – O mapa 2, que é parte integrante dessa lei, demarca a
faixa de 500 (quinhentos) metros onde a altura máxima das edificações de todos
os lotes ou glebas nela contidos devem ser calculados de acordo com o disposto
neste artigo. (LEI COMPLEMENTAR Nº 054, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2008, ART. 25º.)
Assim, espera-se
que além do cumprimento desse aspecto da lei, vários outros possam ser postos
em evidência, garantindo assim, uma melhor relação entre desenvolvimento urbano
e conservação ambiental.
Entendendo
a especificidade da paisagem ameaçada da Ponta do Cabo Branco
A Ponta do Cabo
Branco caracteriza-se por ser uma falésia viva, que se projeta mar adentro, e que
por este motivo, sofre abrasão marinha, eólica e pluvial. Esse fato ocasiona
constantes desmoronamentos dos blocos sedimentares que compõem aquela unidade
de relevo.
Segundo SUGUIO
(1998, p. 10-11),
Entende-se por abrasão a redução de tamanho dos clastos por processos
físicos. [...] Efeito de desgaste de uma superfície rochosa ou de um elemento
clástico (detrítico) por ação de atrito. Exemplo: abrasão marinha durante o
processo de transgressão originando terraços.
Neste sentido, HART (1986 apud GUERRA, 2010, p. 67) afirma que:
Os geomorfólogos têm
participado, de forma cada vez mais ativa e dinâmica, em projetos que envolvem
o gerenciamento costeiro, sendo possível reconhecer duas principais escalas de
atuação. A primeira refere-se ao nível local, ou seja, a geomorfologia pode dar
uma contribuição em temas relacionados à recuperação costeira, monitoramento de
mudanças dinâmicas, identificação de possíveis riscos a deslizamentos,
caracterização de impactos ambientais etc. A outra escala de atuação é mais
regional, sendo a aplicação da geomorfologia relacionada à análise do terreno e
ao levantamento e avaliação dos recursos naturais envolvidos na região em
questão.
No caso em estudo, se
verifica que, alguns engenheiros ambientais e civis, bem como profissionais de
outras áreas afins, estão produzindo pareceres ou até dando entrevistas que,
demonstram desconsiderar a importância dos elementos naturais ali existentes,
defendendo uma intervenção através de obras de contenção. Com isso, é
necessário refletir que conter o desgaste da falésia, é na verdade, produzir um
impacto ambiental. Assim, garantir a participação dos geógrafos nessa discussão
é fundamental, a fim de que se faça um contraponto e se amplie a visão acerca
da melhor intervenção na área.
É compreensível que
o Farol do Cabo Branco e a Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes configurem
elementos que agregam valor e oferta tônus turístico à região, o que não é ruim.
O equívoco se mostra quando se parte do entendimento de que preservar a Ponta
do Cabo Branco, é na verdade, estacionar o solapamento da plataforma de abrasão
presente na base da falésia. Essa mentalidade reforça o conceito de ação
antrópica disponibilizado, segundo SUGUIO (1998, p. 10-11):
A atividade do homem como agente geológico de dinâmica externa
(superficial) da Terra, modifica o relevo, a drenagem, etc. e interfere dessa
maneira, nas dinâmicas de sedimentação e erosão.
O que se verifica,
é uma intensa interferência humana, na tentativa de disciplinar os fenômenos
naturais, o que acaba por imprimir grandes impactos aos elementos naturais da
paisagem. É isso que se verifica na Ponta do Cabo Branco.
Assim, obriga-se
refutar qualquer ideia de intervenção nos moldes propostos, já que o meio
natural caracterizado pela falésia e por todo o processo de abrasão, apenas
demonstra o livre curso da natureza. Qualquer necessidade humana de modelamento
na unidade de relevo implicará numa alteração grave da dinâmica natural ali
existente.
Como demonstra ROSS (2009, p. 56):
As inserções humanas,
por mais tecnificadas que sejam, não criam natureza, apenas interferem nos
fluxos de energia e matéria, alterando suas intensidades, e forçam a natureza a
encontrar novos pontos de equilíbrio funcional. Assim, os diferentes modos de
produção desenvolvidos pelos sistemas econômicos sociais, em função de sua
maior ou menor capacidade de promover alterações na natureza, modificam e
intensificam as trocas energéticas, mas não criam e tão pouco mudam as leis que
regem a funcionalidade dos sistemas ambientais naturais.
É preciso tornar
claro que os interesses mercadológicos não podem instrumentalizar os elementos
naturais de modo tão intenso, prejudicando sua vitalidade. É preciso
desenvolver ações que conciliem o desenvolvimento com a conservação ambiental,
possibilitando as gerações futuras o acesso aos elementos naturais da paisagem,
minimamente, conservados.
Em
que momento os problemas da Ponta do Cabo Branco se intensificam
Muitos olhares
sempre estiveram voltados para a Ponta do Cabo Branco, em diferentes tempos e
gestões públicas. Contudo, foi na gestão do Prefeito Ricardo Coutinho, eleito
no ano de 2004, que se iniciou a construção da Estação Cabo Branco – Ciência,
Cultura e Artes.
A citada obra
entrou em contradição com outra iniciativa dessa mesma gestão, que foi a
criação por
meio de decreto, do Parque do Cabo Branco, definida como área de conservação
ambiental e de proteção paisagística.
O objetivo primário da iniciativa era a de intensificar
a proteção à falésia da Ponta do Cabo Branco. Associada a essa iniciativa, o
Código Florestal Brasileiro, a Constituição Estadual Paraibana, o Plano
Diretor, a Lei Orgânica Municipal e o Código Municipal de Meio Ambiente
significaram forças para garantir a conservação da área. Contudo, o que se
verificou em meio dos órgãos públicos municipais foi a execução da obra da Estação
Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes.
Como justificativa para a construção da obra,
alegou-se o recebimento de recursos financeiros do governo federal, que
poderiam ser destinados aos estudos de contenção da erosão da falésia. Sabe-se, no entanto, que também outros
interesses permeou a obra, dentre os quais estão a especulação imobiliária.
Diante do exposto,
o presente estudo não tem por finalidade desvalorizar a obra da Estação Cabo Branco
– Ciência, Cultura e Artes. Muito pelo
contrário, reconhece a sua importância, beleza e função social, e isso é um
fator inquestionável. Contudo, o que se questiona é o local escolhido para a
execução da obra e os diversos interesses que estão ocultos através dessa
iniciativa.
Segundo os registros
dos órgãos públicos municipais, estudos foram realizados na área,
especialmente, por meio das Secretarias de Planejamento e Meio Ambiente para se
verificar a viabilidade da obra. A justificativa que se construiu foi a de que
esses estudos visavam subsidiar a execução da obra, já que parcelas organizadas
da sociedade, da mídia, dos membros da classe artística e cultural, exigiam
soluções para o “problema” da erosão da Ponta do Cabo Branco. Contudo,
percebe-se que toda essa pressão, se configurou uma justificativa para
engatilhar um projeto que era do interesse da gestão eleita e que, certamente,
levantaria controvérsias.
Assim, estando
motivadas as partes beneficiadas, deu-se, então, a instrumentalização da área
para fins especulativos, imobiliários e financeiros. Se desde a década de 70 as
ocupações das áreas litorâneas passaram a intensificar sua degradação, na
citada gestão, esse processo andou velozmente.
Hoje, ao se
rediscutir na atual gestão do prefeito Luciano Cartaxo, a possibilidade de
realização de obras de contenção na Ponta do Cabo Branco, talvez fosse a
oportunidade, de mais uma vez se levantar uma reflexão contrária ao que está
sendo proposto como “conservação”.
Talvez seja esse o
momento de se demonstrar que muito mais do que conter o avanço da abrasão
marinha, é preciso recuperar urgentemente as áreas de drenagens, associadas à
recuperação da Mata Atlântica que praticamente foram reduzidas na área. Essas duas ações, provavelmente, produziriam
uma maior amarração do pacote sedimentar da falésia. Além disso, seria necessário
redimensionar a função social da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e
Artes, no sentido de ser um centro de
estudos e pesquisas sobre a conservação ambiental em áreas litorâneas com Mata
Atlântica degradada e em vias de recuperação. Assim, escolas, universidades e
centros de pesquisa poderiam usufruir desse ambiente, na busca por uma
compreensão mais pormenorizada dos complexos ecossistemas que poderiam se
sustentar a partir do resgate natural da Ponta do Cabo Branco.
Essa perspectiva de uso e ocupação rompe com
a ideia de instrumentalização do ambiente natural e entra em consonância com o
pensamento de SANTOS (2009, p.225):
Cada lugar é teatro
de combinações pouco duráveis, cujo fator de mudança é esse dado global. Cada
lugar é, assim, a cada instante, objeto de um processo de desvalorização e
revalorização, onde as exigências de natureza global têm um papel fundamental.
Nesse contexto, pressupõe-se que nenhuma
realidade é permanente. E que, romper com essa desvalorização do ambiente
natural, requer encontrar caminhos de revalorização. E essa função só se torna
possível quando se rompe com as concepções alienantes, que reduzem o meio
natural a mero objeto dos interesses do mercado.
Assim, verifica-se desde as primeiras
ventilações que os diferentes interesses econômicos, que se congregam sobre a
área, têm uma única e exclusiva finalidade, que é a de instrumentalizar o
espaço a partir da alteração de suas paisagens.
A DIFÍCIL EQUAÇÃO DE
CONCILIAR O DESENVOLVIMENTO HUMANO COM A CONSERVAÇÃO DOS ELEMENTOS NATURAIS NAS
ÁREAS COSTEIRAS
A geomorfologia aplicada ao estudo das áreas
costeiras vem tendo uma aplicação muito significativa nos últimos tempos.
Segundo MUEHE (apud GUERRA, 2010, p. 66):
A preocupação de
planejar racionalmente a ocupação e uso do espaço costeiro é relativamente
recente no Brasil. Os constantes problemas resultantes de interferência, direta
e indireta, no balanço de sedimentos costeiros e do avanço da urbanização sobre
as áreas que deveriam ser preservadas mostram que ainda é longo o caminho entre
intenção e realização.
Essa condição se verifica claramente quando
aplicada ao estudo da paisagem da Ponta do Cabo Branco. Sendo a geomorfologia um
campo de estudo fundamental para uma melhor compreensão das dinâmicas que
afetam a área estudada.
A ciência geomorfológica tem contribuído na
busca por respostas mais rápidas aos problemas apresentados, sabendo que estes,
são do ponto de vista do conhecimento recentes, em se tratando das áreas
urbanas. Considerando, evidentemente, a recente urbanização das áreas
litorâneas, as quais desafiam a população e os gestores públicos a encontrarem
um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento humano e a conservação
ambiental.
No caso de João Pessoa, ainda há uma relativa
disparidade entre intenção e realização, que se mostra a partir das leis que
regem o processo de urbanização, mas que, não se materializam plenamente. Faltam
aos gestores públicos mais investimentos em educação, transparência e uma
gestão participativa, que se empenhe em atender as reinvindicações da sociedade
e as necessidades de conservação do ambiente natural.
Nessa perspectiva, os estudos dentro da
geomorfologia costeira, podem produzir oportunidades de esclarecimento e
educação ambiental, quando oportunizados à população de modo geral. Nesse
contexto, as ações educativas com agentes transformadores, podem produzir
grandes avanços na conscientização ambiental. Escolas, universidades e ações da
iniciativa privada e estatal podem produzir um cenário mais sensível às causas naturais,
que inevitavelmente, ecoarão numa mudança de mentalidade. Assim, a aproximação
da geomorfologia, além dos benefícios já citados, contribuirá na busca por
compreender realidades as quais ainda não se conseguiu superar.
Para GUERRA (1996, p. 338-339),
[...] vários
componentes e fatores interagem no sentido de detonar e de dar prosseguimento à
degradação ambiental. A ênfase é colocada na geomorfologia, que possui um papel
integrador para explicar os processos de degradação.
É bem sabido, que problemas relacionados com a
erosão costeira, saneamento, poluição, desmatamento de manguezais, refletem
diretamente nos espaços urbanos. Assim,
problematizar essas questões amplia um leque de possibilidades, que parte de
uma problemática local, mas que pode ter suas causas em um ambiente bem
diverso. Essa compreensão já representa um avanço, pois por muito tempo se
imaginava que os impactos ambientais afetavam apenas o local. Porém, com o
avanço das tecnologias e da compreensão do ser humano sobre o espaço habitado,
verifica-se que esses impactos também afetam o global, exigindo um debruçar-se,
que ao olhar para a realidade local, também seja capaz de relacioná-la
globalmente. Assim, um planejamento eficiente deve buscar conciliar o
crescimento das cidades às práticas de conservação, construindo uma rede de
relações e trocas de experiência.
Não se trata de aplicar determinada ação interventiva
a partir do resultado de outro, já que cada realidade possui sua
especificidade, mas sim, de garantir uma rede dialógica que torna global,
problemas locais e vice e versa.
Dessa forma, a troca de experiência a partir
de realidades distintas, sobretudo em relação às questões costeiras, amplia as
possibilidades de intervenção humana, sejam elas diretas ou indiretas.
Nesse sentido, GUERRA (2010, p. 67) afirma
que:
As áreas costeiras
sofrem a intervenção humana de maneira direta e indireta. Quando o homem age de
forma direta, ele intervém, por exemplo, protegendo a costa da erosão marinha,
conservando uma praia, construindo um porto ou então conquistando terras ao
mar, através de aterros. Por outro lado, quando o homem deixa as áreas
costeiras de forma natural ou seminatural e as explora apenas do ponto de vista
cênico e recreativo, sem fazer obras nessa área, os impactos praticamente não
são sentidos, a não ser de forma indireta, ou seja, tende, nesse caso, haver
maior proteção e conservação dos recursos naturais.
Com isso, no caso da Ponta do Cabo Branco, o
presente artigo, se propõe a provocar uma reflexão às avessas daquilo que está
sendo proposto atualmente, não para representar um fechamento de posição, mas
para provocar uma nova rodada de discussões que sejam capazes de fomentar novas
visões e diagnósticos acerca dos problemas apresentados no caso estudado.
Segundo GUERRA (1996, p.338),
Para que seja
possível a recuperação das áreas degradadas, é preciso saber fazer diagnósticos
da degradação. Para tal, o estudo básico, acadêmico desse problema, requer
levantamentos sistêmicos, que são feitos, muitas vezes, através do
monitoramento de processos erosivos acelerados.
Assim, verifica-se que sem um monitoramento
constante e sem uma abordagem interdisciplinar, torna-se difícil conciliar o
desenvolvimento humano com a necessidade de conservação, num equilíbrio que
seja capaz de garantir a mínima manutenção da vida, ao tempo em que preservar o
mínimo necessário no ambiente natural, ao ponto deste ser capaz de se
perpetuar. A essa relação denomina-se desenvolvimento sustentável.
O Plano Diretor do
Município de João Pessoa e o Parque do Cabo Branco
O Plano Diretor da Cidade de João Pessoa
atualizado em 2009, corresponde a um dos documentos mais importantes para
orientar o desenvolvimento municipal de João Pessoa, além de ser um instrumento
regulador dos diferentes processos que envolvem o crescimento das cidades.
Assim, no artigo 8º, o Plano Diretor citado expressa que:
Para efeito do
ordenamento do uso e ocupação do solo, o macrozoneamento da Área Urbana está
representado no Mapa 1, que é parte integrante desta lei, devendo ser detalhado
a nível de quadra em escala compatível do novo Código de Urbanismo.
Parágrafo único – A
Área Urbana compreende:
I – zonas adensáveis
prioritárias;
II – zonas adensáveis
não prioritárias;
III – zonas não
adensáveis;
IV – zonas de
restrição adicional;
V– zonas especiais.
(PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA, 1992, ART. 8º.)
No caso da Ponta do Cabo Branco, em 28 de
junho de 2005, o prefeito Ricardo Coutinho publicou o Decreto nº 5.343 / 2005, que
em seu artigo 1° expressa que “fica delimitado o Parque do Cabo Branco, como
Zona de Conservação Ambiental e Proteção Paisagística, definido no Mapa de
Zoneamento Urbano e Ambiental, Anexo I”.
De acordo com o Decreto nº 5.343 / 2005:
A área inicial e
referencial do parque, em torno do Farol, na Ponta do Cabo Branco, área
conhecida por “Bosque dos Sonhos”, será o núcleo principal do Parque, e
definido como um setor destinado à implantação de equipamentos de apoio à
difusão cultural, à pesquisa e estudos científicos, ao turismo, ao lazer e à educação
ambiental. (DECRETO Nº 5343/2005 DE 28 DE JUNHO DE 2005, ART. 1º, § 1º)
E ainda, de acordo com o mesmo decreto, acima
mencionado:
Deverão ser
elaborados planos de manejo e de uso ambiental, para viabilizar sua
implantação, através de uma setorização que permita o desenvolvimento das
atividades supracitadas e que sejam compatíveis com o perfil do parque.
(DECRETO Nº 5343/2005 DE 28 DE JUNHO DE 2005, ART. 1º, § 2º)
O presente decreto se alinha com o Plano
Diretor do Município de João Pessoa na seção III, que trata do Altiplano do
Cabo Branco, ratificada a decisão do citado decreto que institui a Ponta do
Cabo Branco como Parque Estadual.
É evidente que a instituição do Parque
Estadual do Cabo Branco significou um avanço no sentido da conservação ambiental
e das paisagens ali representadas. Contudo, o próprio decreto, ao tempo em que
reforça o “Bosque dos Sonhos” como núcleo principal do parque, abre um precedente
para a instalação da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes ao afirmar
que também será um setor destinado à implantação de equipamentos de apoio à
difusão cultural. Aqui, se efetiva uma ação que busca agradar a gregos e
troianos, no sentido de que atende aos diferentes interesses.
Nas adjacências, o bairro do Cabo Branco e do
Altiplano Cabo Branco é zoneado como setor de amenização ambiental, já o bairro
Portal do Sol está classificado como subzona A do Cabo Branco e zona
residencial 3. No caso do Seixas, ficou classificado como zona D e E do Seixas.
O zoneamento para SOUZA (2008, p. 250), “é
considerado, normalmente, como instrumento de planejamento urbano por
excelência”. No decorrer do texto, o próprio autor vai aos poucos
desconstruindo essa ideia, já que todo e qualquer tipo de zoneamento apresenta
suas limitações.
Isso implica entender que nas áreas urbanas
não é fácil conciliar os diferentes interesses, contudo, se faz necessário, em
meio a estas dificuldades, tornar o ambiente urbano produtivo e ao mesmo tempo
capaz de conservar o meio natural.
O uso e a ocupação do solo ao tempo que
representa um desafio, expressa também uma possibilidade de desenvolvimento
comum, sem abrir mão da necessidade preeminente de garantir os espaços
naturais, que são em sua íntegra, reguladores do bem-estar social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre a dinâmica e as alterações na paisagem
da Ponta do Cabo Branco, pode-se aplicar o fragmento de GOUDIE (1989, apud GUERRA, 2010, p. 126) quando este ressalta
que a análise de uma paisagem:
Envolve muitos
processos e sistemas complexos, que podem agir isoladamente e/ou interagir
entre si, podendo destacar-se o sistema antrópico, devido a sua influência
direta ou indireta sobre os sistemas ambientais.
De fato, a complexidade do estudo da Ponta do
Cabo Branco não está posta nos processos abrasivos que solapam a falésia,
desgastando-a intensamente, mas sim, estão postos nas ações antrópicas, que são
muito mais danosas aos ecossistemas presentes na área.
Fica evidente, diante do estudo, que os
interesses econômicos estão sobrepostos aos apelos ambientais, e que estes, por
sua vez, estão ditando as regras da administração dos recursos naturais,
desconsiderando as graves consequências para toda aquela estrutura
geomorfológica e ecossistêmica.
Assim, espera-se que o presente artigo,
reforce a compreensão de que a falésia do Cabo Branco não necessita de obras de
contenção, e sim, medidas de conservação, que garantam a esta unidade
geomorfológica o livre curso da natureza, assim como, produza em toda Ponta do
Cabo Branco uma intensa ação de revitalização do ambiente natural, que de certo
modo, ali se perdeu.
Espera-se que os elementos antrópicos
erguidos na Ponta do Cabo Branco não sirvam de motivação para as obras de
contenção, sob a justificativa de preservarem-se tais obras. Isso significaria
uma inversão de valores sem precedentes.
Assim, desejamos que a consciência ambiental
possa prevalecer, garantindo às gerações futuras, a possibilidade de contemplar
as dinâmicas naturais, tais como se apresentam, seja remodelando a paisagem,
seja mantendo o que ali já está disposto.
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